sábado, 10 de outubro de 2009

NICOTINA E DESORDENS NEUROGÊNCIAS

A relação da nicotina com a problemática da memória, cognição e entidades psicopatológicas é extremamente complexa. Concorre, para isso, o fato de que qualquer que seja a via de administração da nicotina, esta atinge rapidamente o cérebro, onde se distribui e se fixa especificamente, inclusive nas suas estruturas periféricas. Fixa-se no mesolimbo, no tálamo, no hipotálamo, no hipocampo, no córtex e no tronco cerebral; atua também sobre os sistemas simpáticos e parassimpáticos, endocrínicos e neuroendocrínicos e gânglios autonômicos adrenal (medula e córtex). A nicotina exerce seus efeitos no cérebro, interagindo com a chamada família de neurônios receptores nicotínicos colinérgicos expressos na membrana de muitos deles. A variedade desses neurônios está sendo mais bem esclarecida com as técnicas de biologia molecular. A nicotina ativa a secreção da acetilcolina. Os receptores cerebrais são específicos, respondendo com diversas atividades neuroquímicas, sendo, além da citada acetilcolina, muito importante, o aumento da função dopaminérgica mesolímbica Estudos comportamentais indicam que os receptores acetilcolínicos, colinérgicos participam do complexo de funções, como memória, cognição e que dados clínicos sugerem seu envolvimento na patologia de certas desordens neuropsiquiátricas (Alzheimer, Parkinson, Síndrome de Tourette, esquizofrenia e depressão).

Injeções de nicotina em animais sensibilizam os neurônios dopaminérgicos do nigroestriado e atuam sobre os receptores colinérgicos. Há também elevação da secreção cerebral de adrenalina, noradrenalina e serotonina. A produção de acetilcolina favorece o aprendizado, aumentando a rapidez da informação. A liberação de dopamina no homem é a responsável pela sensação euforizante, prazerosa, com acentuada participação no processo da nicotinodependência.

NICOTINA E DOENÇA DE PARKINSON

Há 70 anos já se demonstrou que a nicotina, administrada por via parenteral, minora o quadro sintomático motor de doentes com Parkinson. Depois, se verificou que esse alcalóide, aplicado à pacientes com vários tipos de tremor, só melhora os parkinsonianos. Ulteriormente, estudos epidemiológicos ressaltaram associação negativa entre tabagismo e doença de Parkinson. No clássico estudo já citado sobre tabagismo e os médicos ingleses, com 24 doenças que incidiram mais nos tabagistas, a doença de Parkinson foi a única com associação negativa ao tabaco. Note-se que o aparente efeito favorável do tabaco não foi absoluto, apenas negativo: as taxas médias de mortalidade nos fumantes foram 16 por 100 mil e nos não-fumantes, 20 por 100 mil. Extenso estudo em mais de oito mil homens seguidos por 26 anos, do Honolulu Hearth Program, registrou risco relativo de Parkinson nos fumantes de 0,39 e nos abstêmios de 0,44.

Já se conhecem alguns ângulos do mecanismo pelo qual o tabaco dificulta o desenvolvimento do Parkinson. Nesse há deficiência da liberação de dopamina. Ora, a nicotina liga-se aos neurônios dopaminérgicos do nigroestriado, aumentando a neurotransmissão com maior produção de dopamina, com decorrente repercussão na estimulação motora, favorecendo melhor desempenho motor.

No cérebro do rato, a nicotina protege os neurônios dopamínicos contra a degeneração induzida por lesões experimentais. Sugere-se, em conseqüência,
que a nicotina melhora o tremor, a rigidez e a bradicinésia na doença de Parkinson, por elevar as concentrações de dopamina na circulação. Em modelos animais, a nicotina protege contra o parkinsonismo símile experimental. Nos fumantes, há redução substancial e inativação da enzima monoaminoxidase B (MAO) no cérebro, nas plaquetas e em outros tecidos, demonstrado isso no primeiro, pela tomografia de emissão de positrons, usando-se deprenil como rádio marcador.

No homem, o efeito benéfico da nicotina no parkinsonismo observa-se com o
emprego do adesivo com nicotina e da goma-nicotina. Os sintomas locomotores
melhoram durante o tratamento, recrudessem com a suspensão e tornam a melhorar com o retorno do tratamento. Os melhores resultados obtêm-se nos casos iniciais. É preciso deixar claro que a ação favorável da nicotina na doença de Parkinson é exercida com doses diárias superiores às que em geral recebem os tabagistas, e por tempo relativamente curto.

Aliás, os estudos epidemiológicos mostram que a associação negativa entre
tabagismo e doença de Parkinson é apenas relativa, porque apreciável contingente
de fumantes sofrem desse mal. A epidemiologia mostra que nos tabagistas a doença de Parkinson se reduz nos fumantes entre 20% a 70%. O risco não é negativo, apenas mais baixo, em torno de 0,5, indicando que naqueles é metade dos nãofumantes. Acresce que esses estudos estão eivados de fatores de confusão. Ressalta-se que o parkinsonismo não facilita a manipulação de cigarros, o que foi bem ilustrado no estudo dos médicos ingleses, fazendo com que poucos doentes fumem, dando a falsa impressão que a doença é comum entre não-fumantes. Além disso, esses estudos são contraditórios. Em alguns se englobam pacientes de mal de Parkinson com parkinsonismo secundário. As taxas de mortalidade são falhas, porque o Parkinson, por si próprio, não é doença fatal, não figurando nos atestados de óbito. Com freqüência, o mal é omitido nos fumantes, figurando a causa imediata (cardíaca, pulmonar, etc). Os estudos, na maioria, são retrospectivos, avaliando-se apenas o certificado de óbito. Outro fator importante de confusão é que os tabagistas têm menor expectativa de vida, morrem mais cedo e menor número deles chegam a idades mais avançadas quando aumenta a prevalência do Parkinson. A análise longitudinal aponta que, em geral, a propalada associação negativa resulta do fato que nas idades do Parkinson há menos fumantes.

Contudo, é de interesse aprofundar as investigações sobre os efeitos terapêuticos da nicotina na doença de Parkinson. Esquemas de administração em confronto ou em associação com outros medicamentos devem ser estudados. É também útil investigar os efeitos do tabaco mascado, nesse campo. Se ficar provado benefício significante, o cientificamente correto será incorporar a nicotina, como medicamento, no arsenal terapêutico do Parkinson, mas jamais se justificará seu uso através do tabaco com suas cerca de sete mil substâncias tóxicas e com a administração anárquica e maciça da nicotina, como sucede com os fumantes.

Aliás, os autores são unânimes em que não existem motivos científicos para aconselhar a fumar, porque a margem de vantagem em relação ao Parkinson é muito pequena, e até discutível, no cotejo com a alta gravidade à saúde decorrente do tabagismo. As elevadas incidências da doença de Parkinson são dos 70 anos para cima, quando oscilam entre 0,5% a 1,5%. Ora, o risco de morrer em conseqüência de dezenas de doenças devidas ao tabaco na faixa etária dos 34 a 69 anos de idade é altíssimo, totalizando em torno de um terço da mortalidade geral. Portanto, o risco de fumar não compensa.


DOENÇA DE ALZHEIMER

Os possíveis efeitos benéficos do tabagismo sobre a doença de Alzheimer, noticiados em alguns artigos, não são claros e contrastam com outros trabalhos que acusam o tabaco de ser fator de risco desse distúrbio mental. Há investigações registrando risco duas vezes maior de Alzheimer nos tabagistas em relação aos não-fumantes.

A doença de Alzheimer constitui processo demencial progressivo neurodegenerativo com intensa deterioração da função cognitiva. Estão implicados nessa patologia a redução dos centros de ligação com os receptores da nicotina, colinérgicos cerebrais, corticais e dos núcleos subcorticais, decorrendo decréscimo da liberação de acetilcolina. Por sua vez, a nicotina atua sobre o sistema colinérgico, sendo de efeito neuroprotetor, por intensificar a produção de acetilcolina no animal e no homem. Sugere-se, pois, que a nicotina isolada ou veiculada pelo tabaco pode compensar a perda dos receptores colinérgicos, retardando a progressão da doença. Todavia, as pesquisas com nicotina administrada em pacientes com Alzheimer, em várias
doses por via subcutânea, endovenosa ou por meio de patch-nicotina, fornecem resultados contraditórios e pouco encorajantes; de um lado, agravamento da ansiedade e efeitos depressivos, e de outro, resultados discretos ou nulos quanto à atenção visual, informação e aprendizado da memória. As pesquisas sobre o assunto precisam ser aprofundadas com os cuidados exigidos para o manejo da nicotina, por ser droga tóxica.

Os estudos epidemiológicos, praticamente todos de casos-controle, são insuficientes e a revisão da bibliografia, realizada em 1992, também forneceu resultados conflitantes. Dois registraram maior freqüência de casos com Alzheimer entre os fumantes; dois, com resultados duvidosos; três mostraram alguma evidência de associação inversa entre tabagismo e a doença e três, com associação significante. O maior óbice, como fator de confusão nessas pesquisas, é que todas basearam-se numa mistura da incidência e da prevalência dos casos.

Além dos dados controversos acima citados, precisa-se ter em conta, como sucede com a doença de Parkinson, que o mal de Alzheimer aumenta exponencialmente com o avançar da idade. A estimativa é de 0,5% aos 65 anos, 8% aos 75 e 10% aos 80 anos. Nesses grupos etários são poucos os fumantes, porque eles têm mortalidade precoce. Com relativamente poucos tabagistas e muitos com doença de Alzheimer nas idades avançadas, surge à impressão de associação inversa entre os dois. Na realidade, por outro lado, é apreciável o número de fumantes idosos com mal de Alzheimer.

Se, como se viu, para a doença de Parkinson não há fundamento científico para aconselhar a fumar, muito menos razão subsiste para fumar como preventivo da doença de Alzheimer.

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